A adesão irrestrita às convenções sociais conduz à anulação da identidade individual. Nessa perspectiva, a reflexão se insere numa tradição de pensamento que vai de Kierkegaard a Nietzsche, de Heidegger a Ortega y Gasset, abordando a tensão entre o indivíduo autêntico e o ser-massa.
A vida coletiva impõe padrões, normas e valores que garantem a coesão social, mas, simultaneamente, sufocam a espontaneidade e a expressão singular de cada ser humano. O que chamamos de existência comum não é, em essência, uma vivência autêntica, mas uma repetição mecânica de gestos herdados, de crenças aceitas sem exame e de um conformismo que se disfarça de prudência.
A pessoa que se cria a si mesma
Nietzsche, ao denunciar a moral do rebanho, já apontava que a maioria das pessoas vive de acordo com uma lógica de domesticação, abdicando da responsabilidade de forjar um destino próprio. Para ele, a superação desse estado só se daria com a emergência do Übermensch, o homem que se cria a si mesmo.
Heidegger, por sua vez, introduz o conceito de “das Man”, o “se” impessoal que rege a existência inautêntica: as pessoas vivem como “se” fosse natural seguir padrões, como “se” fosse obrigatório pensar da maneira dominante, como “se” não houvesse outra alternativa além da rotina ditada pelo coletivo. Esse movimento implica dissolver-se no anonimato universal, ser mais uma peça no tabuleiro de uma engrenagem impessoal.
A Rebelião das Massas
Ortega y Gasset, em A Rebelião das Massas, reforça essa ideia ao distinguir o “homem-massa” do “homem-excepcional”. O primeiro é aquele que se contenta em ser reflexo do coletivo, ao passo que o segundo se insurge contra a mediocridade da repetição. A identidade do homem-massa se esvazia porque ele não busca ser alguém, mas apenas ser aceito.
Nesse ponto, há um paradoxo oculto: a mesma lógica que apaga a individualidade de quem se dilui no grupo pode, se invertida, revelar uma via de escape. Pois ser “ninguém”, na tradição mística e filosófica, pode significar também libertar-se do ego e alcançar um estado de transcendência. Pensadores como Lao Tsé e mestres do existencialismo paradoxal apontam que o anonimato pode ser tanto uma condenação quanto uma libertação. A questão fundamental, então, não é apenas evitar o vazio existencial, mas escolher como ser alguém.
O anonimato como libertação
Essa é uma advertência contra a passividade existencial. Aquele que se limita a existir dentro dos contornos desenhados pelo coletivo não chega a ser, apenas repete. A verdadeira existência exige o risco da originalidade, o desafio da autenticidade e a coragem de caminhar contra o fluxo, ainda que isso signifique, por vezes, a solidão dos que escolhem pensar por si mesmos.
Por Oliver Harden