“Exorta igualmente os jovens a serem moderados, apresentando-te em tudo a ti próprio como exemplo de boas obras, de integridade na doutrina, de dignidade, de palavra sã e irrepreensível, para que os adversários fiquem confundidos, por não terem nada de mal a dizer de nós.” (Tito 2, 6-8)
Os tempos que vivemos têm demonstrado o quão ténue é a linha que separa o mundo real do mundo virtual. Muito se tem falado dos problemas da adolescência, a propósito de uma série televisiva, baseada em factos reais, passada no Reino Unido.
Decidi esperar para a ver e penso que fiz bem. Não fui em modas ou assuntos do momento.
Na verdade, é uma série chocante, um alerta e um grito para uma realidade que está diante dos nossos olhos e que muitos não veem, outros não querem ver e alguns fazem de conta que não existe.
Contacto, diariamente, com dezenas de adolescentes, e vejo que muitos vivem numa realidade paralela e virtual. Não conseguem dizer, olhos nos olhos, seja o que for, e depois nas redes sociais ou em salas de conversação, atacam e destilam ódios mais ou menos direta ou sub-repticiamente.
A adolescência é a fase do amadurecimento, da construção da personalidade e tomada de consciência de direitos e deveres, associada à afirmação social e pertença a grupos.
Contudo, devido ao excesso de consumo de meios tecnológicos, a socialização dos adolescentes não se verifica ou faz-se de forma redutora.
Não aprendem os limites, nem a forma certa de reagir e interagir com os outros. Das séries televisivas à realidade é um passo minúsculo. Vejam-se os últimos casos de tentativas de colocar substâncias aditivas nas bebidas de jovens, para depois haver abusos e violações, sem que as vítimas tenham noção ou memória do sucedido. Um dos casos acabou com a morte de um jovem que denunciou a situação.
Foi um verdadeiro mártir da verdade. Os nossos adolescentes e jovens não conseguem dialogar e estabelecer relações saudáveis, usando meios ilícitos para atingir os seus fins. Acham-se poderosos e ninguém os pode contradizer ou afrontar. No final do mês, o Papa Francisco vai proclamar como santo, o jovem Carlo Acutis, que pode ser para os nossos jovens e adolescentes, um exemplo de como usar as tecnologias, a internet e os telemóveis para o bem e sem criar dependências. Ele foi um jovem deste tempo, viveu neste século e viveu com equilíbrio e moderação.
O mal não está na tecnologia, mas na forma como as coisas são usadas. Há que promover a desintoxicação dos nossos adolescentes e jovens na sua excessiva dependência do mundo virtual. Temos de começar pelas escolas, pelas nossas comunidades e famílias.
Ainda há poucos dias, ficamos a saber que a escola pública com melhores resultados académicos é uma instituição de ensino que interditou em todos os níveis de escolaridade o usos de telemóveis no recinto escolar. Os resultados escolares subiram, naturalmente.
Conheço escolas onde a interdição tem sido discutida e aprovada pelos conselhos gerais. Nessas escolas, os recreios recuperaram a vida, os alunos passaram a interagir muito mais e recuperaram-se antigos jogos coletivos.
Mas é preciso haver alternativas e a prioridade em muitos casos é ensinar a brincar e a divertir-se. Na série «Adolescência», no final ficamos com a ideia de que a culpa é geral, todos tiveram culpa no assassinato.
Não fiquemos indiferentes e façamos aquilo que está ao nosso alcance, como pais, educadores, ou adultos com responsabilidade. Depois do leite derramado não adianta ficar a olhar e chorar o sucedido.
Por Sérgio Carvalho