Aliviados do Covid enchemos as ruas de alegria, beijamos o sol com as nossas festas, reencontramos os amigos, reunimos as famílias e sentimos o gosto de viver na nossa terra. Um ambiente social (e por isso cultural) que nos identifica pelo sentido e prazer de pertencer à nossa gente.
Muitas centenas de festeiros deram (dão) o seu esforço e tempo para que todos possam pisar a terra comum e festejar a alegria da vida – reencontrando vizinhos e partilhando o tempo nos intervalos que o trabalho nos dá.
Festas e celebrações culturais que revivem tradições, recolocam na linguagem memórias de todos que fortalecem a identidade de um povo.
Expressões da organização colectiva que manifestam a evolução dos tempos, novas experiências que nos fazem progredir como civilização.
Actividades de unidade que aproximam as pessoas e nos mostram que é possível estarmos juntos no meio das nossas diferenças.
Tudo isto se faz com dinheiro, muita massa, e com o preço do tempo que não sendo contabilizado é um activo extraordinário.
Experiências que nos mostram que é o povo anónimo o verdadeiro promotor da cultura porque disso é expressão natural.
A nossa câmara – como todas as outras – investe muito dinheiro nas actividades culturais acompanhando o esforço das populações. Contudo uma análise mais fina aos investimentos liquidados mostra uma tendência que não favorece os eventos culturais de natureza popular e sustenta eventos artificiais que – divertindo e ocupando os eleitores no seu tempo livre – pouco ou nada têm de cultural, mas antes se apresentam como espectáculo de “variedades” furtuitas das quais os maiores beneficiários são as cervejeiras agradecidas.
Tudo isto a propósito das nossas bandas de música – de Paços de Ferreira e de Freamunde – os mais antigos e mais conhecidos baluartes culturais da nossa terra que ao longo do (muito) tempo sinalizam a qualidade cultural do concelho e disso dão mostras cá e nas mais diversas localidades.
Existe a ilusão de que as bandas de música estão “ultrapassadas” e “fora de moda” e interessam a “pouca gente”. Tivessem os nossos autarcas algum tempo para acompanhar as nossas bandas nas suas digressões e veriam como são apreciadas por quem as ouve e ouviriam as conversas que acontecem nos concertos sobre as terras que as bandas representam. E perceberiam que elas são um nobre embaixador da nossa terra.
Independentemente do número de concertos que dão ao longo do ano, cada banda agrega cerca de 60 músicos, quase todos eles membros de famílias que desde sempre se dedicaram ao exercício da música como caminho de aprendizagem – mesmo desde os tempos em que esta disciplina não encontrava lugar nas escolas.
Ambas as bandas sustentam as suas escolas de música onde os mais novos conhecem os caminhos da arte e da estética podendo assim perceber como a vida é multifacetada e carregada de linguagens diversas.
Este património cultural que subsiste com a apoio anónimo dos respectivos sócios e amigos constitui assim uma bandeira de esplendor que dignifica quem às bandas pertence mas sobretudo orgulha o nome da terra ostentado nas respectivas bandeiras.
Por delicadeza, para não escandalizar ninguém, não revelamos o valor do subsídio anual que a Câmara Municipal entrega às nossas bandas. E não o comparamos aos gastos que a edilidade suporta sob a justificação de “investimento” cultural, nas mais diversas iniciativas.
Costuma dizer-se que “todas as associações são iguais” na linguagem política. Mas a política dá para tudo, menos para analisar o evidente: merecendo todas o respectivo reconhecimento pela actividade cultural que expressam, todas são diferentes nas acções praticadas e nas necessidades estruturais para o seu funcionamento digno.
O elevado orçamento cultural da nossa câmara precisa de ser analisado e corrigido, prescindindo da leitura política de ocasião e optando por acções que sustentam os esteios culturais da nossa terra.
A Banda de Freamunde está a celebrar os seus 200 anos de actividade. A política cultural da câmara deveria dar um sinal de que sabe disso.
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Por Arnaldo Meireles