Nos 50 anos do Partido Socialista – a democracia política que vivemos foi construída com o sangue do PCP e a luta do PS que na clandestinidade do tempo a preto e branco edificaram o alicerce do perfume dos dias que vivemos e nos quais assistimos a uma degradação do ambiente político afastado que está da “democracia plena”.
Percorrer a história dos fundadores e primeiros militantes destes partidos e olhar hoje para a comunicação política dos mesmos, assemelha-se à entrada numa casa de horrores tanto é o oportunismo que invade as decisões conhecidas e onde não descortinamos o limbo interpretador das causas da sua constituição.
Mas precisamos de sublinhar a causa nobre da política, feita de valores e pessoas que no tempo inscreveram na história do país um conjunto de opções que hoje desenham, apesar de tudo, um país moderno, civilizado, mais ainda pobre.
Celebrar hoje os 50 anos do PS é uma necessidade para todos os democratas que dispersos pelos diversos quadrantes olham para ele é certo com os olhos da verdade conveniente, mas também merece este partido que se olhe para ele no sentido de lhe reconhecer o tributo democrático prestado ao país.
Hoje é preciso continuar a dizer, e a escrever, que não há democracia sem partidos, pelo que o caminho é o de os respeitar e lhes exigir que sejam fiéis às suas origens. E precisamos todos de pedir isso ao PS.
O vulcão de 2015
A matemática é muito importante na vida. Mas na política é o caminho para o desastre, porque se baseia no calculismo e dispensa a ousadia. Coloca-nos no caminho de cálculo permanente e tira-nos da “linha da frente”.
Lembremos Mário Soares: no paradigma da sua acção sempre colocou no coração do PS a relação a partir do centro com olhares para os lados existentes; e nunca cedeu aos extremos mesmo beneficiando do apoio decretado por Cunhal para a sua eleição de Presidente da República, na disputa contra Freitas do Amaral e a “direita reacionária”.
Governou com o CDS e despediu-se deste governo “cozidinho de facadas”, mas manteve-se fiel ao rumo do partido que fundara deixando o país integrado na CEE.
Podemos gostar mais ou menos de Mário Soares, mas temos de reconhecer (e lembrar, mais vezes do que o PS lembra!) a matriz que deixou.
Em 2015, num golpe matemático, deu o país início à chamada “geringonça” trazendo para as lides do poder o PCP e o BE. Este jogo de conveniência partidária garantiu a gestão do país transformada na maioria absoluta que vigora. Garantiu-se o poder, é certo, mas perdeu-se o “tino” da história do PS.
As consequências estão aí. Ao ajudar a consolidar o BE, abriu-se uma cratera à direita do PS com o aparecimento do CHEGA. Era clarinho como a água, pois todos sabemos que a “política tem horror ao vazio”.
Com esta herança quem aceita fazer de morto?
Ninguém sabe. Mas esta questão invade as preocupações de muitos democratas que, em círculos reservados, começam a perguntar pelo destino do PS e do PSD como partidos centrais ao regime; isto num momento em que analistas há a admitir que a extrema direita consiga em próximas eleições resultados entre os 15 e os 20%.
E espanta o sorriso tímido no rosto de alguns camaradas do PS que parecem só ver que isso “é uma vantagem substancial do partido” – tipo seguro de vida para manutenção do poder-, entendendo eles, – mais uma vez a matemática – que os sociais-democratas mesmo que “ganhem eleições” não conseguirão “maioria parlamentar” para viabilizar futuros governos.
Mas a coisa mexe. Sobretudo agora que é evidente – até o povão já percebeu – que no Governo actual se discute – antes do tempo -a putativa substituição de António Costa que mais parece ser o timoneiro de um a nova “arca de Noé” rumo à salvação que se não conhece.
Deprimentes as “fugas de informação” da intimidade do governo para a comunicação social que aproveita, como se fosse pão-de-ló, as delícias dadas a consumir a uma audiência já viciada em escândalos, crimes, casos e casinhos e outras coisas que não vale a pena aqui citar.
…E um exame de consciência?
Agora que o PS celebra os seus 50 anos, talvez seja chegado o momento de uma reflexão autónoma da espuma dos dias e lembrar que o nascimento do partido aconteceu para libertar Portugal e os portugueses dos ventos errados da história, mesmo que abençoados pelo incenso cardinalício.
A maquinação das redes sociais está a nivelar por baixo a informação disponível e a convicção política é moldada com etiquetas, receitas e definições “clarividentes” (pois claro) que apontando, novamente, para uma sociedade a preto e branco, nos começa a amarrar num rolo compressor que tem asco à vida multicolor.
Precisamos de parar, talvez calar por momentos, reflectir e desenhar o futuro da democracia portuguesa; para isso precisamos dos partidos políticos, dos seus dirigentes e, sobretudo, do apego de todos ao valor da liberdade e do desenvolvimento comunitário. Enfim, precisamos de reencontrar o centro e ali plantar flores. Multicolores!
Por Arnaldo Meireles
PS: O início da aventura democrática VER:
https://ensina.rtp.pt/artigo/fundacao-do-partido-socialista-portugues/
NB: A concelhia do PS de Paços de Ferreira ainda não teve oportunidade de assinalar devidamente o 50º aniversário do partido. Reflectir sobre o nascimento e identidade do PS talvez ajudasse os nossos democratas a perceber para que foram eleitos.