… Ainda a respeito da assinatura conjunta entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira e o Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana do protocolo de Cooperação institucional no domínio da habitação com vista à construção, na cidade Freamunde, de um conjunto de novas habitações destinadas a arrendamento a preços reduzidos …
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Na continuação do artigo anterior, (pode ver abaixo) e na direção do abstrato para o concreto, começo, agora, por chamar atenção para a importância da organização do território, do espaço, do contexto, onde se irá edificar a construção das novas habitações.
Apesar de que a abordagem deste ponto é já, em parte, extemporânea na medida em que, segundo já foi dado a saber, esse contexto espacial está já escolhido. Há, no entanto, algumas condições que devem ser acauteladas.
Isto é, esse espaço deve ser aberto, integrado no tecido urbano e nunca guetizado, acautelando-se o fechamento sobre si mesmo. Deve fomentar a entrada e saída dos seus habitantes para que a sua rede de sociabilidades não seja restringida e feita exclusivamente entre vizinhos.
Esta é a realidade das construções sociais de algumas zonas na parte Oriental do Porto, como, por exemplo o bairro do Cerco do Porto, onde conheci crianças e adolescentes que mesmo vivendo a escassos Kms da praia, muito raramente a tinham frequentado, pois este bairro fez-se sobre si mesmo, com equipamentos sociais que servem a comunidade , mas que promovem a pouca mobilidade dos jovens pela cidade
Como estes estão afastados de tudo, esses equipamentos ancora-os àquele território e promovem, ainda, que os próprios adultos se cinjam aos cafés, aos espaços de lazer do próprio bairro. Mas este tipo de espaços circunscritos e arredados, existem, também, no nosso concelho, como é exemplo aquele que é popularmente e negativamente designada por bairro do “Kosovo” , na freguesia de Modelos.
Assim, e nesta senda, a criação de equipamentos desportivos ou sociais virados exclusivamente para o bairro é um erro grave, pois encerra as crianças e os jovens naquele universo. Ou se constrói equipamentos de apoio ao bairro/aglomerado habitacional, de tal forma qualificados e diferenciados que tenham a capacidade de chamar a população exterior a esse mesmo espaço, ou é preferível não se instalar aí qualquer equipamento, sob pena de estarmos a fechar os seus habitantes sobre si mesmos.
E desta forma, os equipamentos ao serviço dos habitantes daquele contexto devem ser os da freguesia, frequentados por todos, promovendo-se o seu acesso a toda a comunidade para que esses espaços não se transformem em barreiras arquitetónicas e simbólicas limitativas ao interclassicismo e para que o processo de socialização destas crianças e jovens se faça numa lógica heterogénea.
Este tipo de edificação espacial, este tipo de novas construções não pode nunca é contribuir para quem as habita ser alvo de qualquer tipo de estigma, nem para a sua rotulagem depreciativa. A melhor forma de o fazer é construir de forma qualificada em espaços integrados, tornando este novo contexto numa área “in” por oposição ao perigo de se tornar um espaço “out” e acossado.
Isto é, a construção tem de ser de boa qualidade, com materiais duradouros e de pouca manutenção e com especial atenção para o isolamento térmico e acústico, mas também para o “desenho” arquitetónico, gerando sensação de bem- estar mas também sensação de bom-viver. Isto é, deve ser um espaço percecionado por todos que o habitam e por toda a comunidade externa como um espaço em que qualquer um poderia e seria capaz de viver.
Por outro lado, e pelo mesmo, urge dotar este novo tipo de construções de meios tecnológicos, como painéis solares e outros, que possam fazer baixar a fatura da luz, esta, provavelmente, uma das mais onerosas no que se refere ao orçamento familiar, mas também de soluções arquitetónicas que promovam o acesso das habitações e dos espaços comuns à luz natural.
Só assim, se podem transformar boas intenções em projetos bons.
Marcos Taipa Ribeiro
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AS PESSOAS NÃO SÃO – E NÃO PODEM SER – COISAS QUE SE METAM EM GAVETAS
A respeito da assinatura conjunta entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira e o Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana do protocolo de Cooperação institucional no domínio da habitação com vista à construção, na cidade de Freamunde, de um conjunto de novas habitações destinadas a arrendamento a preços reduzidos, urge acautelar todo um conjunto de questões.
Isto, sob pena de se poder vir a criar fenómenos de guetização e dessocialização ou contextos de desqualificação social irreversíveis que desqualificarão toda a freguesia e farão baixar o valor dos seus imóveis e terrenos, a exemplo do que aconteceu, em tempos, na cidade da Régua ou na zona Oriental do Porto, com consequências “ad aeternum” para todos, mormente para quem for habitar esses mesmos contextos.
Assim, inicio aqui uma pequena série de artigos sobre o tema, uma vez que seria impossível fazer uma análise, minimamente sustentada e consistente, a partir de um só escrito.
Nos anos 90 foi publicado um artigo, numa revista de referência nacional, de seu nome Sociedade e Território, de uma Socióloga e, também, Assistente Social, que marcou todos os interventores e intervenções sociais e arquitetónicas e o planeamento urbano em Portugal no que se refere à habitação social ou habitação destinada a populações com menos recursos. O seu nome é Isabel Guerra, o titulo desse artigo é, exatamente e propositadamente, o título desta série de artigos de opinião.
Neste artigo a autora aborda a necessidade das autarquias assumirem o seu papel no esforço de se resolver o problema do acesso à habitação de quem menos tem e dos mais jovens em início de vida, em Portugal. Mas, aborda, também e sobretudo a necessidade de se pensar a habitação social ou, ainda, a habitação de custos controlados, no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento social urbana. Desde logo, alertando para a necessidade das autarquias envolverem neste processo os vários parceiros locais, nomeadamente, associações, IPSS`s mas, também, as universidades e académicos destas áreas do saber e até outros organismos que possam contribuir para o desenvolvimento do território, da freguesia que possa vir a acolher esse tipo de habitação, evitando-se que uma suposta solução se transforme num problema.
Ora, passando do abstrato para o concreto, seria aconselhável que os políticos locais seguissem a orientação deste mesmo artigo antes de encetarem qualquer processo de construção de habitação social, entendida no sentido mais amplo do termo. Seria uma boa base de trabalho para se evitar os erros recorrentes neste tipo de processos.
Desenvolver projetos desta natureza sem diagnósticos sociais, sérios e tecnicamente validados por equipas multidisciplinares, é um erro e “meio caminho andado” para se reproduzir modelos de promoção da habitação pública típica dos anos 60 do século passado pois, estes bairros, estes espaços, têm que ser apropriados por toda a freguesia e sentidos como parte integrante do seu eu coletivo.
Se é verdade que este tipo de projetos devem existir, são mesmo um imperativo nacional e concelhio, representando uma responsabilidade acrescida e muito séria para o edil municipal e uma oportunidade para uma freguesia crescer e se desenvolver, devem, ainda, ser uma forma de responsabilizar os futuros proprietários ou arrendatários dessas mesmas construções como forma de se evitar a degradação e estigmatização do espaço que habitam, dando-se oportunidade, a quem tem possibilidades, de adquirir os imóveis, mais tarde, e a quem não tem de aí se manter sob o respeito de regras e compromissos assumidos, evitando-se o desenraizamento e a desvinculação social dessas pessoas, o que representa um grave fator de risco para o desenvolvimento dos mais jovens. Referem-nos os especialistas da área que a dissolução de antigas solidariedades de vizinhança, dificulta a ação coletiva e associação comunitária.
Aliás, se a concentração de comunidades pobres ou de menores recursos está habitualmente associada a maior incidência e prevalência de comportamentos disruptivos, tão ou mais importante que este aspeto é a estabilidade que cada um destes contextos oferece e permite. Portanto, quanto maior estabilidade e menor mobilidade dos seus membros houver, maior o conjunto de laços sociais construídos e aprofundados, logo maior controlo social natural.
Por outro lado, permitir a aquisição dessas habitações por quem o pode fazer um dia mais tarde é uma forma de se promover a igualdade de oportunidades e contrariar o afunilamento social desses contextos, permitindo fazer crescer vários e diferenciados referenciais identitários, de que é um exemplo paradigmático o bairro social do Outeiro de Freamunde e de Paços de Ferreira em que esta estratégia permitiu a diversidade cultural e social e representou verdadeiro mecanismo de promoção social de muitos dos seus habitantes.
(continua …)
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Por Marcos Taipa Ribeiro