O meu amigo Álvaro Neto, colega jornalista, comunista por devoção e auto exilado do PC por vocação, enviou-me este vídeo da Internacional que vi com carinho enquanto a minha memória me dispensou informação de décadas de pensamento.
Quando regressamos aos “fundamentais” – aqueles alicerces onde sustentamos as nossas opções de vida” – e deixamos cair as tragédias da história, conseguimos verificar que somos os valores que temos e praticamos.
Partilho com o Álvaro muitos caminhos e desejo abrir outros novos, aqueles que as clareiras da floresta permitam ao acolhermos a luz do sol.
Não ficou, o meu amigo, sem resposta: “agradeço que me tenha enviado esta canção da missa de quinta-feira santa”!
A quinta-feira santa, para os Cathos, explica o essencial, com a vantagem temporal de contar com mais de 2000 anos sobre a “inauguração”. Naquele tempo, Jesus, prevendo que ia morrer, reuniu os seus doze à mesa, partiu o pão entre todos e disse para o fazerem em memória dele. E assim continuaria no meio deles.
Contam as escrituras que os discípulos não perceberam. E acho que, hoje mesmo, nem com a Google estamos a chegar lá. Eu, contudo, acho que só não percebe quem não quer!
A História da Realpolitik
As ambições dos países sempre se expressaram numa linguagem de controlo. Do império romano (ocidental e oriental), da Idade Média do “direito divino” e depois do “direito natural” até ao “direito positivo”.
Dos “descobrimentos” europeus nascidos das “Cruzadas” (para divulgar a “fé” e o Império contra os “infiéis”) à revolução francesa – princípio do fim do modelo das “monarquias absolutas”, com benção (e ameaça de excomunhão) dos Papa – eles próprios com “exércitos” para proteger os “estados Pontifícios” de que resta hoje o Estado do Vaticano.
A queda do Czarismo em 1917 e o início da revolução comunista de tal modo “radical” (eu diria exclusivamente racional) que veio mais tarde a proclamar o “marxismo científico e dialéctico” (coitado do Karl Marx que nisto não tem culpas no cartório registadas!), decretanto a “religião como ópio do povo” – talvez desconhecendo que o povo até gostava do produto!
Duas guerras mundiais depois e agora na terceira, na sua forma híbrida, que sentido faz ouvir a Internacional e participar na missa de quinta-feira?
…E em Portugal
Da Monarquia viemos e a República chegou em 1910. Nesta altura não havia internet, Google, isto é, tínhamos nas mãos o mundo que nos era dado: a preto e branco, sempre regulado entre os bons e os maus.
Chegavam de facto algumas notícias de França – lembram-se das cartas de Eça de Queiróz, enquanto embaixador naquele país? Mas aqui, como nos outros países a “monarquia absoluta” seguia as regras que eram comuns às famílias reais ocupadas em garantir a “paz no reino”.
O perfume francês de 1789 chegou cá pelos carbonários e outros republicanos que mais tarde fundaram o PC e, muito mais tarde, o PS. Uma tarefa de resistência contra o Poder, primeiro contra a monarquia e depois contra o regime de partido único de Salazar (e de Cerejeira!).
Desde Constantino, em 341, o cristianismo foi proclamado religião oficial do império romano – a melhor maneira de garantir a “unidade” da coisa, isto é integrar numa mesma linguagem (o latim) e moral (costumes) povos bem distintos e diferenciados pelas suas culturas.
Começou a ficar esquecida a “missa de quinta-feira santa” e os “cathos” passaram (pela via institucional) a reunir-se “em nome do Senhor”, ficando a dúvida se do Filho de Deus ou do Rei, ou, mesmo das duas coisas.
No nosso país, os monárquicos apontaram às “desgraças” da república clamando pelo universo do rei, os republicanos davam passos para uma “nova ordem” de acordo com os ventos que chegavam de França e da Rússia.
Nesta salgalhada – havia jornais, mas sem rádio e televisão – como comunicar com o povo “trabalhador e humilde” que só “quer paz e trabalho”?
O milagre das Oliveiras
A humilde Maria que aceitou parir o seu filho na clandestinidade do poder romano de Jerusalém, e o viu morrer na cruz por “decisão” do povo presente, foi lembrada nas catacumbas da reflexão política e deu-se um “flash” (é assim que se diz agora) isto é fez-se luz.
Existindo ovelhas e oliveiras em Leiria e crianças pastores para delas tratarem, eis que, em 1917, vestida de branco e cheia de luz Nossa Senhora proclamou: rezai, rezai muito pela conversão da Rússia (é certo que disse outras coisas, mas agora não me convém!).
Esta mensagem chegou a Lisboa e foi bem acolhida, havendo quem se lembrasse da genial decisão de Constantino: com este trunfo, a “unidade do Estado” estava garantida e “essa corja de comunas, republicanos (e outros nomes…) estava arrumada!
Habituada aos benefícios, homens vestidos de vermelho e de mitra abençoaram a boa-nova dirigida sobretudo ao povo “obediente”, embrulhado nos bons costumes de tão evidentes que eram e não previam contestação.
Mas a coisa mexe
Em 1921, baixinho para ninguém ouvir, começou a cantar-se a Internacional, aquela música que está no início deste texto. O PC tinha nascido, nas agruras da noite, respirando o segredo na fala da sua afirmação. Acolhe anti-monárquicos de sempre, resistentes ao modelo de poder que era abençoado pelo cardeal Cerejeira – estava garantida a “colaboração institucional romana” entre Igreja e Estado. E assim foi por muito tempo.
A guerra colonial e o Concílio Vaticano II
Ontem como hoje, os acontecimentos externos condicionam a evolução das ideias e nos anos sessenta começa a guerra “ultramarina” (Angola é nossa! e por aí fora), milhares de famílias vêem os seus filhos “embarcar prá guerra” e quem cá fica alivia a pena dos “pecados”, de joelhos, no confessionário, perante a batina preta da ordem e do respeito.
Em Roma – vejam lá como a coisa é, voltamos de novo a Roma – ano 1960, a Igreja Católica inicia o caminho para a sua recentração. Em Portugal florescem os movimentos da Acção Católica – Rural, Operária, Universitária – e o país é invadido pelo ar fresco da discussão nas suas paróquias.
As missas de domingo passam a ter o “padre de frente”, homens e mulheres escolhem os lugares para a devoção e alguns “homens de fato preto e cabelo com brilhantina” recolhem apontamentos em igrejas seleccionadas. Estava em “marcha uma revolução” silenciosa.
O “partir o pão” na missa de “quinta-feira” santa passou a ser de novo anunciado. “Cathos” e “Comunas” trocam olhares no trabalho, unindo-se no essencial para conseguirem o perfume do “salário justo” .
https://sociedadejusta.pt/salario-justo/o-direito-ao-salario-justo-nos-documentos-pontificios/
ESTE artigo vai longo, mas a culpa é do meu amigo Álvaro. Prescindindo dos “pecados sociais” relatados pela história, precisamos de identificar os valores fundamentais na construção da sociedade de amanhã.
Neles nos podemos inspirar para perceber e divulgar o mundo que somos e afinal pouco evolui por esquecer que Toda a Gente é Pessoa.
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Por Arnaldo Meireles (Catho me confesso!)