Biblioteca Alexandrino Brochado – Inaugurada amanhã nas instalações da Junta de Freguesia de Raimonda, no cumprimento da sua vontade.
A vasta colecção de livros que o padre Brochado construiu ao longo da sua vida pode ser vista a partir de amanhã na freguesia de que era natural.
Padre da Diocese do Porto, Brochado viveu a sua vida eclesiástica nesta cidade onde exerceu funções de relevo na Sé Episcopal, tendo ali servido como assessor do Bispo Dom Florentino de Andrade, por ocasião do exílio de Dom António Ferreira Gomes.
Alexandrino Brochado, o monsenhor, era capelão na Capela das Almas, na rua Santa Catarina e sempre foi uma voz de referência na cidade nos domínios eclesiais e também culturais e sociais.
Durante larguíssimos anos presidiu à Cáritas Diocesana do Porto, tendo-se destacado durante a II Guerra Mundial no acolhimento de refugiados da Guerra, acolhendo-os e ajudando-os a estabelecer de novo as suas vidas.
O diplomata
Num regime fechado, de verdade oficial e única proclamada, estruturado debaixo da censura, Brochado escrevia textos de referência no jornal da diocese Voz do Pastor e, mais tarde, no jornal que lhe sucedeu Voz Portucalense onde foi colaborador exímio.
A sabedoria dos dias e as cautelas da manhãs cinzentas permitiam-lhe tratar dos assuntos mais incómodos apesar de serem verificados à lupa pela censura do regime.
Apesar de se afirmar “católica” e adepta dos “bons costumes”, esta vigilância oficial tinha dificuldades em atrapalhar os escritos de Brochado, dada a finura da escrita e da inteligência que revelava na sua redacção.
O amor por Raimonda
Pode um padre ter amores? O padre Alexandrino Brochado tinha um: a sua terra, Raimonda.
Fazia questão, oportuna ou inesperadamente, de dizer que “era de Raimonda” a quem queria saber alguma coisa de si.
Usava nas suas conversas ditos da nossa terra e exemplificava as suas ideias recorrendo a imagens da vida rural, sempre referindo os seus familiares.
Tinha prazer nisso e os seus olhos brilhavam, ilustrando o seu sorriso sempre sereno.
Um homem culto
Conheci o padre Alexandrino Brochado quando estudava no liceu Rodrigues de Freitas (ex-Dom Manuel) e me entretinha a “rever provas” do jornal Voz Portucalense.
Muitos dos textos de Brochado passaram pelas minhas mães. Não podia haver gralha editada em textos tão nobres.
Nos tempos livres percorria a rua de Santa Catarina e entrava na capela das Almas. Umas vezes estava, outras não. Picava-o para uma conversa e ele gostava de ser provocado. E eu admirava como num picanço dos meus ele reagia serenamente, sorrindo, e dando-me a volta, quase sempre terminando por me aconselhar este ou aquele livro. Era a sua resposta à minha provocação.
Um dia, andava eu nos meus dezoito anos, disse-me para ler Sarte. Eu não sabia quem era mas ele explicou: “um autor francês que anda sempre mal disposto. Lê e tenta descobrir porque este homem não acredita na vida”.
O Padre Brochado era assim: dava-nos a volta ao toutiço, sempre apontando para o caminho que interessa – descobrir o sentido da vida.
A Biblioteca
Esta oferta do padre Alexandrino Brochado à sua freguesia é assim mais que uma lembrança, e, muito menos uma oportunidade para que nos lembremos dele.
Ou me engano muito ou é mais uma partida a todos nós, oferecida na oportunidade que agora temos de ler os livros que o habitaram na sua vida e lhe permitiram tomar as decisões que o definiram como homem, como padre e como “gente de Raimonda”.
Por Arnaldo Meireles
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Biblioteca Alexandrino Brochado