O consenso é generalizado a Norte: para chegar mais depressa a Madrid, por comboio de alta velocidade, a opção passa pela ligação do Porto à capital espanhola, via Trás-os-Montes e Castela e Leão. Serão pouco menos de três horas de viagem, numa extensão de, aproximadamente, 300 quilómetros. O estudo foi apresentado, esta segunda-feira, nos Paços do Concelho, pela Associação Vale d’Ouro, e contou com a presença de algumas das principais personalidades da região Norte e representantes institucionais.
O presidente da Câmara do Porto começou por lembrar que, pelo menos, desde 2001 se pronuncia sobre esta matéria, que se mantém idêntica, nos dias que correm, revelando ser um “grande defensor de uma maior colaboração económica, social, cultural com Espanha, sem os receios antigos”.
“Espero que, agora, este pensamento estratégico seja continuado, seja um diálogo profícuo com Espanha”, salientou Rui Moreira, garantindo que, para chegar aos territórios interiores da Europa, “este percurso, se fosse só para mercadorias, já valeria a pena, a longo prazo”.
“Para pensarmos nos passageiros temos de ter uma visão dupla: facilitar as ligações ao ‘hub’ ibérico, que é Madrid, e reequilibrar o transporte em toda a região Norte”, acrescentou.
Para não se repetir alguns erros, como aconteceu com a construção de estradas e autoestradas, o presidente da Câmara do Porto deixou um aviso: “se [a construção de uma linha de alta velocidade] não for acompanhada de políticas regionais competentes é um dreno e, ao contrário, daquilo que se espera, em vez de levar retira competências. Isto só faz sentido se, ao mesmo tempo, houver políticas integradas de deslocalização de algumas atividades, com o Estado a dar o exemplo”.
É necessário, na opinião de Rui Moreira, “reocupar o território, num país que parece que mingou, em termos de competências. Não podemos ser um país exíguo. Só somos um país pequeno porque ocupamos pouco espaço”.
A esperança dos autarcas do interior
No primeiro painel de discussão, para além de Rui Moreira, participaram também o vice-presidente da Câmara de Matosinhos, que salientou os benefícios que o projeto de alta velocidade Porto-Madrid traz, por exemplo, para o Porto de Leixões. “É um investimento que faz todo o sentido. O porto é finito quanto ao seu desenvolvimento e no dia em que receber mais mercadorias é preciso pensar em alternativas quanto à logística e operação da estrutura. Não se pode crescer em direção ao mar”, sublinhou Carlos Mouta.
Já o presidente da Câmara de Vila Real deixou um triplo pensamento: uma convicção – “é a melhor das soluções e vale a pena defendê-la” –, um lamento – “perdemos muitos anos, ficando à espera de consensos que nunca existiram” – e a esperança que “seja feita justiça porque fomos os dois últimos distritos (Vila Real e Bragança) a ter, primeiro, as vias ferroviárias desativadas e os dois últimos a ter um quilómetro de autoestrada no país”.
Rui Santos recordou que a cidade de que é autarca deixou de ter ferrovia em 1990, com a desativação da linha Vila Real-Chaves, e, em 2009, com o fim da linha Vila Real-Régua. “Mentiram-nos e nunca mais voltaram”, acrescentou.
Para o presidente da Câmara Municipal de Bragança, “a ligação por alta velocidade deve vir em tempo oportuno, sob pena, depois, de não ter qualquer interesse”. “Tudo aquilo que se perspetiva só se concretizará se houver uma tentativa de construção rápida de uma infraestrutura desta envergadura. Não podemos ter, apenas, uma atitude economicista”, frisou Hernâni Dias.
Também o concejal del Ayuntamiento de Zamora, Pablo Novo, em representação do alcaide de Zamora, Francisco Guarido Vinuela, deixou a garantia que a sua autarquia apoia a solução apresentada pela Associação Vale d’Ouro, considerando “uma boa proposta” para as regiões do Norte de Portugal e de Castela e Leão.
Francisco Assis: “Temos de ser inflexíveis com os espanhóis”
Seguiu-se um segundo momento de discussão com as participações do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha, e os deputados à Assembleia da República Sobrinho Teixeira, deputado do PS eleito pelo distrito de Bragança, Fátima Pinto, deputada do PS eleita pelo distrito de Vila Real, e Paulo Rios de Oliveira, deputado do PSD eleito pelo distrito do Porto.
O encerramento da sessão foi assegurado pelo presidente do Conselho Económico e Social (CES), que destacou a necessidade de um consenso político, com suporte técnico e rapidez na decisão, para que as linhas de alta velocidade ferroviária sejam construídas. “Que estas decisões sejam tomadas na base de um entendimento pluripartidário, em particular com o principal partido da oposição. A questão do TGV é tão importante como a questão do aeroporto de Lisboa, como é óbvio”, afirmou Francisco Assis.
O presidente do CES notou que, no caso das ligações transfronteiriças, os espanhóis são “inflexíveis” na defesa do seu interesse estratégico. “Nós temos que fazer o mesmo. Julgo que o faremos. Portugal também tem que ser muito claro quando chegar o momento de dialogar com o Governo espanhol”, defendeu.
Porém, para tal acontecer, “primeiro tem que saber muito bem o que quer”, para depois ter de “ser muito claro a colocar aos espanhóis essas questões, porque isto também é do interesse de Espanha”, frisou Francisco Assis.
“A nossa articulação com Espanha não se pode fazer apenas em função da definição das prioridades espanholas, mas em função de entendimentos que temos que alcançar, em que as prioridades portuguesas têm que ser tidas em consideração”, referiu.
Porto-Madrid em 2h45
Na abertura dos trabalhos, Luís Almeida, presidente da Associação Vale d’Ouro, recordou que se “criou o mito que era impossível que o comboio voltasse para lá do Marão. Nós provamos o contrário. O comboio pode voltar a apitar para lá dos montes e pode contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento do Norte”.
A associação propõe um modelo de tráfego misto, com velocidades até 250 km/h para passageiros e 120 km/h para mercadorias, com integração com as linhas de alta velocidade Porto/Vigo (Aeroporto Francisco Sá Carneiro) e Madrid/Galiza (Zamora) e com as linhas do Douro e Minho. Por esta linha, e conforme aponta o documento, cidades como Vila Real e Bragança ficam, respetivamente, a apenas 43 minutos e 1h14 do Porto e esta a Madrid a 2h45.