Hoje voltamos às Excitações para lembrar textos que consideramos importantes para que se possa entender a actividade política e os seus fundamentos, com a curiosidade de apresentarmos ideias disponibilizadas aos portugueses nos primeiros momentos da democracia. Teremos evoluído muito, neste aspecto?
“Há duas exigências fundamentais da personalidade humana: a justiça e a liberdade (…) a liberdade pela qual a pessoa é uma consciência, uma responsabilidade, uma autonomia; e justiça pela qual a pessoa se cumpre em si e para com os outros”.
(…) Liberdade sem justiça ou justiça sem liberdade – eis os dois pólos, entre os quais oscila e balança a consciência do nosso tempo, perante um problema, que é de todos os tempos mas que se se definiu e descarnou, até à pureza de problema, em cinco séculos de humanismo sem Deus.
(…) Entre a liberdade absoluta e a justiça só pode haver uma solução. Essa é a fraternidade dos homens.”
Portugal dos Portugueses
…é preciso denunciar a ideia insensata e propriamente idiota de que Portugal é outra coisa que não os portugueses. (…) que a política é coisa de poucos e usufruto dos melhores? Sim, mas quem esses poucos e esses melhores? Os que o povo livremente escolher ou os que, à sombra de ideologias regressivas, se querem impor como intér++pretes e usuários da consicência colectiva ou como executores de imperativos históricos auto-revelados?
Aos democratas virtuais
Cinquenta anos depois do 25 de Abril, somos governados no Governo e Câmaras Municipais por gerações nascidas em ambiente de liberdade adquirida dispensada que foi de experimentar as agruras das limitações do antigo regime. E assim parece que o exercício do poder é uma função – como um emprego, por exemplo – sem responsabilidade extra-individual, importando ao eleito a manutenção do poder a qualquer custo.
Apresentamos aos nossos leitores uma citação de um discurso feito em 1957 aos jornalistas e homens de letras do Porto, no dia 29 de Janeiro de 1957 – exactamente 24 dias depois de eu ter nascido! O que explica que dando o mundo muitas voltas pouco ou nada muda, sobretudo para quem quer que mude!
“Não sabemos que haja maior miséria nem maior fonte de desgraças para a sociedade e para o Estado – precisamente para o Estado – do que o Estado fonte de todo o direito, o Estado razão e fim de si mesmo, o Estado ilimitado, quer esta omnipotência e infinitude resulte da vontade dum só ou do voto das maiorias.
Se para o cidadão o Estado é tudo, só resta ao cidadão um objectivo: conquistar o Estado. É a teoria da revolução permanente da parte dos que ainda não são Estado; é a teoria da fraude ou do terrorismo, da parte dos que já são o Estado.
O homem é pessoa, isto é sujeito de direitos e deveres, antes ainda de ser cidadão. Não é pelo Estado que o cidadão é homem; e, por ser de homens que os formigueiros humanos não são só formigueiros, mas Estados.
E o Estado é a cúpula da sociedade, não é a própria sociedade nem a nação. O Estado reconhece e regula a própria vida; não dá a vida, nem às pessoas físicas nem às pessoas morais.
Como nascem e crescem sem dependência do Estado as pessoas físicas, sujeitos de direitos ainda antes de verem a luz do dia, assim nascem e crescem sem dependência intrínseca do Estado as pessoas morais, sujeitos de direitos, a começar pelo primeiro que é nascer.
Assim como compete ao Estado reconhecer, regular e proteger os direitos das pessoas físicas, sem que isso ponha em questão a própria raíz natural do direito, sem que isso comprometa ou minore o próprio direito de nascer e de viver pessoalmente para cada homem, assim compete ao Estado reconhecer, regular e proteger os direitos das pessoas morais, sem que isso ponha em questão o direito fundamental das pessoas individuais a associar -se para fins honestos, sem que isso ponha em questão o direito de nascerem e viverem associações livres e responsáveis..
Por outras palavras, não é do direito do Estado e também não parece ser do seu interesse bem entendido e a longo prazo, negar, desconhecer ou atrofiar a existência dos corpos naturais dentro da sociedade geral, nem tão-pouco tolher a sua corporização à luz do sol do direito público”.
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Admitimos pois que esta citação seja para muitos um excitação.… mas importa reflectir, até para sabermos que comunidades e tipo de democracia queremos entregar aos nossos filhos e nossos netos.
Em próximas edições falaremos de:
- a pessoa como princípio de liberdade
- a sociedade como princípio do pluralismo
- O autor destas Excitações será revelado depois destas duas publicações
Por Arnaldo Meireles