A passagem de Gilles Lipovetsky, por Braga, foi ocasião para este filósofo francês apontar a “solidariedade social” como critério desbloqueador de acção política face aos desafios que vivemos já na Europa e noutras regiões do mundo.
Esta afirmação, descrita desta maneira, revela uma visão inédita na abordagem da análise política dado que coloca o foco na sociedade aqui encarada como princípio do pluralismo.
Desde o 25 de Abril que a afirmação democrática e a abertura da sociedade civil, as narrativas ideológicas que nos foram (são) oferecidas apontam noutro sentido: do Estado – vertido na democracia plural – surge a linguagem oficial – dominante – engavetando as tendências por etiquetas e a seguir em determinadas e específicas tutelas.
Esta abordagem encontrou acolhimento nas universidades e entidades públicas de ensino que perante o desenvolvimento (explosivo) das organizações sociais as tentou amestrar no sentido de as orientar e mais tarde incluir na linguagem do poder.
Cinquenta anos depois do 25 de Abril, as instituições sociais são convidadas pelo poder oficial a olhar e preparar as suas actividades dentro do céu com a cor do poder local, diluindo-se, assim, a sua originalidade e princípio fundacional no respeito pela sua origem e que foi no dinamismo da sociedade civil.
A Sociedade como princípio do pluralismo
A liberdade de Abril permitiu-nos estruturar uma sociedade pluralista – institucionalmente diferenciada, organicamente heterogénea, complexa e aberta – na medida em que tem de dar lugar às organizações e instituições que as pessoas livremente entendem criar e gerir com vista à realização das suas vocações e interesses sociais (religiosas, familiares, profissionais, políticas, recreativas, etc.
Tudo isto construindo um consenso social respeitador e acolhedor do máximo de personalidade nos indivíduos e nos corpos naturais, garantindo, pelo respeito, uma sociedade sem violência essencial e com um mínimo de limitações externas de modo que dela corresponda a disciplina capaz de garantir a ordem para assegurar “uma sociedade à medida do homem em crescente humanidade” (…)
O direito de livre associação
A sociedade civil – fonte de liberdade e por isso de direito – também aponta para a necessidade de livre associação como caminho de afirmação de interesses e vontades de pessoas e organizações. As instituições e organizações voluntárias são assim sinal e confirmação do direito fundamental das pessoas individuais se associarem para fins honestos, garantindo-se assim que estas pessoas morais (instituições) gozam enquanto tais e por elas próprias, de direitos inalienáveis ou insubstituíveis como os das pessoas individuais.
Falamos das pessoas morais, de todas as pessoas morais legítimas, das quais “o Estado é a última e suprema, não a primeira e total”
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Lipovetsky – solidariedade social como método político
Segundo este sociólogo, a “solidariedade social” é o campo hermenêutico para inspirar uma atitude de intervenção na comunidade numa perspectiva integradora das culturas que hoje inspiram as afirmações e narrativas culturais que acabam sempre por ter uma acção política.
É importante lembrar – até para se perceber esta afirmação do filósofo e sociólogo – que nos registos policiais das autoridades do seu país, a França, se encontra registada a preocupação do ministério da Administração que tem registos de “bairros residenciais perdidos para a República”.
Esta realidade coexiste também com a referida “extrema-direita” mas também com o aumento das tensões sociais (raciais) entre judeus e muçulmanos.
É neste cultura de conflito que sustenta a vida de conforto da sociedade burguesa francesa que se tem de encontrar num caminho para entender e agir comunitariamente. Daí a “solidariedade social” como método de acção segundo o autor.
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Paradigma político: a solidariedade social
A proposta de Lipotevsky merece reflexão e acolhimento sobretudo para quem é democrata, pluralista e adepto da sociedade aberta. E constitui uma oportunidade de romper com o status quo, relativamente gasto e cansado, que nos colocou nesta situação de impasse, sem discussão essencial amarrados que estamos a etiquetas limitadoras como ser de esquerda ou ser de direita.
A sociedade civil que somos, a comunidade social que construímos e que fala pelos seus comportamentos, pelas suas dificuldades e pelas suas perspectivas.
Aceitando nós a sociedade que somos “como princípio do pluralismo” avançamos muito na discussão (e na acção) e chegamos à circunstância que interessa enfrentar: perante os problemas sociais que temos, a pobreza antiga e nova que surge, a administração dos parcos recursos de um país pobre – embora europeu – precisamos de permitir à “sociedade que somos” que se afirme fora de qualquer tutela específica.
Deixar a “sociedade civil” organizar-se e actuar em favor dela mesma, é caminho essencial para garantir a paz e segurança entre as comunidades, as populações e sobretudo garantir a unidade do país – que Portugal teríamos sem as organizações intermédias como bombeiros, misericórdias, ipss e cooperativas de habitação?
Responder a esta questão leva-nos ao patamar que nos permite perceber de que Estado precisamos, coisa verificável em qualquer governo (democrático que apareça), no nosso país.
E se o discurso é livre, plural, importa encontrar o método de acção; neste caso o ponto de partida e de encontro para enfrentarmos os dias de amanhã e garantir o desenvolvimento e paz à nossa gente: acarinhar a solidariedade social que brota da nossa gente.