“Num lugar perto do Porto, um desses figurões. de profissão moleiro, apanhou uma mulher em furto flagrante de uma pequena porção de farinha; estendeu-a em cima da mó, e aplicou-lhe com um fueiro uma tão desalmada sova que a mulher caiu exânime no caminho de casa, precisamente à porta do regedor, que a recolheu por caridade.
Estava moribunda e foi sacramentada no dia seguinte. Um amigo meu mandou tratá-la pelo seu médico durante quinze dias, ao cabo dos quais foi transportada ao hospital do Porto, sobre um colchão, num carro de bois, e lá esteve em curativo meses. Esta mulher nunca disse quem lhe bateu, para não ir para a costa de África por ladra. O regedor não procedeu contra o moleiro, porque lhe devia moeda e meia, e além disso precisava dele para as eleições, porque o moleiro tinha metade dos votos fechados na mão.
(…) eis senão este caso benéfico para as instituições: que o moleiro levou a sua gente a votar com o regedor, e o governo triunfou por unanimidade nesta freguesia pelas eleições imediatas”
Ramalho Ortigão, Janeiro de 1885, em Farpas, edição integral I, de 1943, página 49 e 50